Direito & Design
O PODCAST DE LEGAL DESIGN
NOTAS DO EPISÓDIO
Temporada
1
Episódio #
01

O que o design pode fazer pelo direito?

É possível criar uma jornada confortável mesmo para pessoas que estão passando por situações traumáticas ? Não é só possível. É necessário. No primeiro episódio do Podcast conto uma história da área de saúde. Uma história que mostra como aliviar a experiência de quem está enfrentando o medo e a incerteza. Por que escolhi contar essa história? Porque os usuários de serviços jurídicos também carregam medos e incertezas quando procuram a ajuda de um profissional do direito. Prestar um serviço de qualidade vai além do conhecimento jurídico. Como fazer? O design pode mostrar alguns caminhos.

Introdução

[00:00:19] Uma das coisas que eu mais escuto das pessoas é, porque levar o design para o direito? O que isso significa? É deixar o direito mais bonito, mais agradável, mais usável, mais confortável? No episódio de hoje eu quero te contar uma história que fala do que o design é capaz. A história é do Doug Dietz, quando ele recebeu um prêmio importante pelo design de uma máquina de ressonância magnética.

A experiência ruim

[00:00:50] O Doug trabalhava na GE Healthcare, uma empresa de equipamentos médicos americana, e durante dois anos projetou os displays, botões e visores de uma máquina de ressonância magnética. Assim que ela ficou pronta, Doug teve a ideia de ir ao hospital para ver o seu funcionamento.  

 

A máquina estava na área pediátrica do hospital, e ao se aproximar da sala, já no corredor, viu uma família jovem chegando com a filha de aproximadamente 7 anos. A menininha vinha em direção a sala com seus pais, e à medida em que se aproximava ia mudando o seu comportamento, até o momento em que todos pararam. O pai se abaixou na altura da menina e falou sério com ela: “Lembre-se que você precisa ser forte”.

 

O Doug descobriu que a maioria das crianças congelavam ao se aproximar da sala de exame, elas choravam e se recusavam a entrar no aparelho. E que 80% das crianças precisavam ser sedadas para fazer o exame.

A preocupação dos pais não começava ali na sala, mas sim desde que o exame era agendado. Mais do que isso, ele sentia um clima de medo no lugar. Olhava em volta e via uma atmosfera horrorosa, era um lugar escuro com luzes estranhas piscando, cheio de botões. O piso era demarcado com uma faixa amarela e preta, como na cena de um crime. E agora a máquina que havia projetado parecia mais um tijolo gigante com um buraco dentro.

 

Além do exame

[00:03:16] O Doug se deu conta de que, quem leva o filho para fazer uma ressonância magnética não está levando a criança para um passeio no parque.

A pessoa está tensa e abalada, pois ela vem de um processo longo na busca por um diagnóstico. São pessoas que estão com medo, e, na maioria das vezes levam junto uma criança que não sabe direito o que está acontecendo, mas que também tem medo.

 

Aquela ressonância não era o primeiro exame pelo qual essas pessoas estavam se submetendo. Normalmente elas passavam por outros exames cujos resultados não eram bons, e se elas estavam ali é porque tinham alguma coisa para ser descoberta.

Então ele entendeu que a máquina fazia parte de algo maior, uma busca por um diagnóstico. E isso era uma jornada que envolvia não só uma pessoa doente, mas uma criança doente e os pais dela.

Como transformar algo difícil em um momento mais leve?

[00:04:43] Ele voltou para o escritório e decidiu que não só redesenharia o aparelho, mas toda a jornada das crianças e dos pais até o exame. Mas como ele podia fazer isso? Ele era um designer e não um médico ou pedagogo.

Então o Doug:

Montou uma equipe

[00:05:04] O Doug formou uma equipe multidisciplinar com especialistas em psicologia infantil, pediatras, enfermeiros, designers e também crianças que seriam observadas, em um ambiente de cocriação.

O resultado disso foi uma experiência que começa no agendamento do exame e só termina com um laudo.

O que ele pensava o tempo todo era em como ele poderia minimizar o sofrimento daquelas famílias. Ele não podia fazer nada em relação ao diagnóstico, mas a experiência que aquelas pessoas teriam com o equipamento que ele desenhou, isso sim poderia ter alguma influência.

Observou

[00:06:07] Observando as crianças eles começaram a perceber que a imaginação infantil é impressionante, e que elas têm a capacidade de ressignificar objetos o tempo todo. Então se você dá, por exemplo, três cadeiras e um cobertor, aquilo poderia virar um castelo, um barco, ou, um esconderijo e eles apostaram justamente nessa capacidade.

Redesenhou o Design da máquina

[00:06:35] Aqui a máquina branca e horrorosa ganhou uma pintura especial. Ela tornou-se um navio, uma nave espacial, ou, um esconderijo secreto. Neste momento a máquina passa a fazer parte de toda uma aventura. Uma aventura no mar, uma viagem espacial, um acampamento na floresta e a partir daí toda a experiência foi redesenhada.

 

A criança seria considerada como um pequeno aventureiro e assim que chegasse no hospital seguiria pelos corredores, que já eram decorados conforme o tema da experiência da aventura, até chegar na sala de exame onde era o ápice da jornada.

Photo courtesy Children’s Hospital of Pittsburgh of UPMC
Fonte: https://slate.com/human-interest/2013/10/creative-confidence-a-new-book-from-ideo-s-tom-and-david-kelley.html. Acesso 18/02/2021.

Testou

[00:07:18] Um dos projetos foi uma aventura no fundo do mar. Os corredores do hospital foram decorados, pintados e colocado pedrinhas para que a criança fosse caminhando e pulando.

Nesse momento ela já ia corrigindo os pais para que eles também pulassem as pedras e agissem de forma adequada. Isso ia distraindo todo mundo pelo caminho e relaxando. A sala de exame também recebeu toda uma pintura de fundo do mar. Eles usaram aromaterapia e o protocolo de atendimento foi todo adaptado para uma linguagem de aventura, como se fosse uma experiência da Disney.  

Em um outro exemplo a máquina de ressonância tinha a pintura de um barco. Eles diziam para as crianças que tinha peixinhos em volta e que quanto mais elas ficassem quietas dentro do barco mais os peixinhos pulariam. Então as crianças não se mexiam, e, elas passaram a cumprir os combinados, porque já não eram os combinados para um exame, e sim, combinados de uma grande brincadeira.

O resultado final

[00:08:42] Em um certo dia o Doug voltou ao hospital para ver como é que as coisas estavam funcionando. Ele conta que viu uma menininha que tinha acabado de sair do exame. Os pais estavam conversando com os médicos e a enfermeira, enquanto a menina cutucava a mãe e puxava ela para dizer alguma coisa. De repente a mãe vira para criança e pergunta “O que é minha filha?” e a menina responde: "A gente pode voltar amanhã?”.

 

Ele conta isso em um TED Talk de 2012, e começa a chorar. Ele diz que quando viu essa cena também começou a chorar. Olhou para a especialista, a moça que estava operando a máquina de ressonância, e viu que ela também estava com o rímel todo borrado.

 

Envergonhado ele pede desculpas para a moça. Mas ela recusa e diz: “Tudo isso fez eu relembrar o motivo que me levou a trabalhar com saúde e pediatria: as crianças. Eu estou aqui por causa das crianças.”

Ela diz que toda aquela atmosfera pesada de ficar focada na realização dos exames, nos botões e do resultado do diagnóstico ser correto, fazia com que se esquecesse que no final estava lidando com crianças.

Como nós advogados podemos melhorar a jornada do nosso cliente

[00:10:43] Escolhi essa história porque nós advogados somos mais ou menos como esses médicos. A gente está tão preocupado em prevenir risco, cumprir prazo e traçar estratégias que esquecemos das pessoas que nos procuram, e procuram o direito. Elas muitas vezes estão em uma jornada. Às vezes no início, com medo e dúvidas. Às vezes no fim sem muita força, sem recursos e sem esperança.

Essas pessoas não entendem como a nossa máquina jurídica funciona. Elas se assustam com os termos complicados, os prazos estranhos, e as instâncias infinitas. É tudo muito assustador.

 

Muitas vezes nós advogados não podemos mudar o resultado final de um processo, mas a gente sempre pode melhorar a jornada. Nós podemos falar com clareza, prestar atenção no que essas pessoas nos dizem, e nas necessidades delas. A gente sempre pode minimizar um pouquinho esse desconforto. 

 

Nós não somos psicólogos, não temos que passar a mão na cabeça de ninguém e não somos responsáveis pelo que causou o problema dos nossos clientes, mas a gente sempre pode melhorar a experiência deles com o direito. A experiência que tem se tido com o direito é ruim, até hoje é muito ruim. E isso é muito negativo para todos nós operadores do sistema jurídico. Mas nós podemos mudar isso, não precisamos ficar reféns dessa situação. A gente não é designer, mas a gente pode aprender a usar a abordagem de design. A gente pode trabalhar com equipes e profissionais de outras áreas também. 

 

Essas coisas não são normais para quem vem do mundo do Direito. A gente não aprendeu isso na faculdade. Aprendemos a lidar com o problema, evitar risco, aplicar a lei, fazer a nossa parte e não perder prazo. Mas isso já não é o suficiente no mundo de hoje.

Outras áreas que já utilizam o Design

[00:13:17] Essa não é uma situação exclusiva dos advogados. A maioria dos técnicos não aprende a lidar com pessoas durante a formação.

Os engenheiros criam produtos que devem ser úteis e eficientes, mas quem faz com que esses produtos sejam usáveis e agradáveis são os designers. Esse tem sido o papel do design. Até bem pouco tempo os programadores faziam softwares difíceis de acessar, eles diziam que o usuário é a parte burra atrás da máquina. De repente começaram a transformar as interfaces e desenhar processos mais intuitivos, com ajuda do design.

Essa história do Doug Dietz também serve para mostrar como o design vem transformando o uso de produtos e serviços em várias áreas, melhorando a nossa experiência com muita coisa. Isso está acontecendo no transporte para quem usa o Uber, na hotelaria com o Airbnb, e também na área financeira, com o Nubank, que está mostrando um novo jeito de se relacionar com produtos bancários.

E o que todas essas empresas têm em comum? Elas descobriram que a jornada tradicional de transporte, de uso do banco, de hotelaria não era exatamente aquilo que as pessoas queriam. Mas tudo isso nasceu da observação, da empatia e do entendimento de como as pessoas interagem com as coisas (produtos e serviços). Isto é o design centrado no usuário, que começa e termina na observação de como as pessoas interagem com produtos e serviços, e esse é o grande papel do design na atualidade.

Conclusão

Criar pontes entre as pessoas e as tarefas que elas querem executar e fazer melhorias nesses processos. Essa também é a proposta do Legal Design, a qual eu tenho me dedicado bastante. E se você gosta dessa proposta e acredita que o direito também precisa de design, é disso que a gente fala aqui nos podcasts e  é disso que eu falo nas minhas redes.

 

Na faculdade de direito não aprendemos a olhar para pessoas, e sim, para os problemas. A formação em design me ensinou a olhar para as pessoas, além dos problemas e dos riscos, e encontrar soluções que também sejam confortáveis para essas pessoas a partir da abordagem de design. 

 

Se você gosta deste tema, já faz Legal Design ou quer fazer, mande comentários, dúvidas, sugestões. Você pode sugerir temas, contar histórias suas, ou mandar perguntas. 

 

Todos tem um pouquinho de designer no fundo, porque a gambiarra é a mãe do design. Algumas pessoas já nascem com uma habilidade maior para observar, para encontrar padrões, e para criar jornadas, mas as técnicas do design centrado no usuário podem ser aprendidas. Hoje eu ensino essas técnicas para advogados que querem desenvolver essas habilidades, e a gente tem uma comunidade de Legal Design que só cresce. 

 

Seja bem vinda, seja bem vindo.

 

Estude, pratique, divirta-se e conte comigo.

O que isso tem a ver com o direito?

Algumas sacadas que você pode usar na sua prática diária
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